Artigo que resulta da parceria estratégica Mental Health in Youth Work, da autoria de Hilma Ruokolainen, traduzido pela Agência Nacional Erasmus+ Juventude/Desporto e Corpo Europeu de Solidariedade
Imagem: Jovens e técnicos de juventude no “Mental Health in Youth Work: Inspirational Event” realizado em Albufeira, Portugal, em 2023
Quando se pergunta ao ChatGPT se a saúde mental dos jovens europeus está em crise, a resposta é um claro “sim”:
“Várias fontes fiáveis e estudos recentes sublinham o aumento da prevalência e da gravidade dos problemas de saúde mental neste grupo demográfico”, explica.
Os resultados da pesquisa de informação da IA indicam que a Organização Mundial de Saúde (OMS) refere um aumento significativo das perturbações mentais entre os jovens de todo o mundo, incluindo na Europa. A ansiedade, a depressão e as perturbações relacionadas com o stress são muito mais comuns hoje do que eram há 20 anos.
As observações da Comissão Europeia sobre a saúde mental destacam os impactos da pandemia de COVID-19, que afectou especialmente os jovens. As restrições impostas durante a pandemia, as disposições especiais dos estabelecimentos de ensino e dos locais de trabalho e o consequente isolamento social agravaram os problemas de saúde mental dos jovens.
Por outro lado, estudos epidemiológicos de base populacional indicam que as perturbações mentais graves definidas medicamente, como a esquizofrenia, não aumentaram significativamente, o que significa que o aumento dos problemas de saúde mental entre os jovens parece ser causado especificamente por um aumento da ansiedade e da depressão.
“Os problemas de saúde mental entre os jovens representam uma ameaça real para a sociedade. Por exemplo, na Finlândia, um terço das pensões de invalidez concedidas a jovens adultos está relacionado com problemas de saúde mental”, comenta Silja Kosola, Médica Especialista e Docente em Medicina de Crianças e Adolescentes.
Apesar disso, Kosola diz ser contra a utilização generalizada da palavra “crise”, porque provoca uma inflação concetual:
“Se tudo está em crise, em breve nada estará”.
Um estudo* internacional recente que envolveu o acompanhamento de turmas escolares na Finlândia indica que as perturbações mentais dos jovens tendem a ser “transmitidas” socialmente. A principal conclusão foi que quanto mais pessoas numa turma apresentarem sintomas de perturbações mentais, maior é a probabilidade de outras pessoas da turma também desenvolverem perturbações mentais.
As conclusões suscitaram algumas críticas ao aumento do debate sobre a saúde mental. Os peritos estimam que o facto de se insistir em pensamentos e experiências negativas com os outros pode fazer com que as perturbações se espalhem, acabando por fazer com que todos se sintam pior.
Por outro lado, o aumento do debate sobre a saúde mental também diminuiu o estigma associado às perturbações mentais e aumentou a vontade dos jovens de procurar ajuda para os seus sintomas, o que pode ser considerado uma evolução positiva.
Outro fenómeno preocupante é o facto de um número crescente de jovens sentir ansiedade na chamada vida quotidiana normal. As fontes de ansiedade incluem a pressão para ter sucesso nos estudos ou na vida profissional, a pressão relacionada com a aparência pessoal, as alterações climáticas, a perda de biodiversidade, as guerras, a política e outras questões do quotidiano.
No pior dos casos, a ansiedade pode ser paralisante e começar a limitar a esfera de vida habitual da pessoa. Se um jovem pensa que não consegue lidar com determinadas situações sociais, por exemplo, isso pode facilmente levar a um comportamento de evitamento. A ansiedade é bastante diferenciada em função do género; a prevalência da ansiedade é significativamente mais elevada entre as mulheres jovens do que entre os homens jovens.
De acordo com os investigadores, é possível que os jovens interpretem os sentimentos desagradáveis normais que enfrentam na vida como sintomas de perturbações mentais. Este tipo de interpretação excessiva pode confundir a incerteza, o nervosismo e as preocupações típicas da juventude, transformando-os num emaranhado de ansiedade.
De acordo com a Docente Kosola, o facto de as perturbações mentais serem socialmente transmitidas é conhecido há muito tempo. Por isso, é preciso pensar em como falar sobre o assunto. Cabe aos adultos tentar mudar o foco do sofrimento para a recuperação, actividades significativas e aumento da esperança, o que não é tarefa fácil.
(*Alho J., Gutvilig M., Niemi R., et al. Transmission of Mental Disorders in Adolescent Peer Networks. JAMA Psychiatry. Published online 22 May 2024. doi:10.1001/jamapsychiatry.2024.1126)
No entanto, a situação atual não deve ser encarada como se os jovens fossem simplesmente hipersensíveis ou tivessem a impressão de que a sua saúde mental se está a deteriorar.
O relatório “Health at a Glance” compilado pela OCDE indica que a ansiedade e a depressão entre os jovens aumentaram em todos os países da UE durante a pandemia de COVID-19. Este aumento foi mais acentuado entre as raparigas e as mulheres jovens, os membros de minorias e os jovens que lutam com dificuldades financeiras.
De acordo com o Institute for Health Metrics and Evaluation, em 2019, o número de jovens na Europa que sofriam de perturbações mentais era superior a 14 milhões, representando 17,4% de todos os jovens entre os 15 e os 29 anos. Estima-se que o número de jovens que sofrem de perturbações mentais tenha duplicado em vários países da UE durante a pandemia.
Os confinamentos impostos e a crescente necessidade de serviços de saúde mental durante a pandemia congestionaram os serviços de saúde mental já sobrecarregados. Como resultado, em 2022, quase metade (49%) dos jovens que vivem nos países da UE declararam não ter acesso ao apoio de que necessitavam para manter a sua saúde mental.
Por enquanto, é demasiado cedo para dizer que tipo de efeitos a longo prazo a pandemia terá na saúde mental dos jovens. Também é impossível especificar quais as tendências que resultam da pandemia e quais as que são causadas por outros factores ou pelo efeito combinado de vários factores.
O relatório “Health at a Glance” indica que também se registou um aumento alarmante dos pensamentos autodestrutivos entre os jovens, o que, felizmente, não se reflectiu até agora nas estatísticas como um aumento das taxas de suicídio. De acordo com as estatísticas do Eurostat, o número absoluto de suicídios cometidos por jovens diminuiu significativamente desde 2000.
No entanto, o suicídio continua a ser uma das causas de morte mais comuns entre os jovens. Em 2021, quase uma em cada cinco mortes de jovens entre os 15 e os 29 anos nos países da UE ocorreu em resultado de lesões autoprovocadas. O grupo com a taxa de suicídio mais elevada é o dos homens entre os 25 e os 29 anos.
Uma preocupação crescente é o aumento da automedicação de perturbações mentais. A automedicação refere-se ao uso de drogas ou álcool numa tentativa de aliviar a angústia, a ansiedade ou outros sentimentos e pensamentos desagradáveis. Para além disso, as pessoas também utilizam substâncias intoxicantes para ganhar coragem social, energia e para se sentirem bem.
Embora as substâncias intoxicantes possam proporcionar um alívio temporário dos sintomas das perturbações mentais, os seus efeitos a longo prazo são negativos. As substâncias intoxicantes não só enfraquecem a saúde geral dos jovens, como também aumentam o risco de acidentes e de desafios financeiros e de gestão da vida e aprofundam os problemas de saúde mental existentes.
No entanto, Silja Kosola salienta que uma grande parte dos jovens está mais sóbria do que as gerações anteriores:
“O consumo de substâncias tóxicas está muito polarizado, com um pequeno número de jovens a consumir cada vez mais substâncias. Os estudos mostram que as atitudes dos jovens em relação às substâncias intoxicantes se tornaram mais positivas apenas em relação à cannabis.”
Embora seja quase impossível obter estatísticas fiáveis sobre a prevalência ou o aumento da automedicação, o fenómeno é discutido nos meios de comunicação social e entre os jovens. Também é possível tirar algumas conclusões com base nas estatísticas europeias. De acordo com o European Drug Report 2022: Trends and Developments, as mortes induzidas por drogas aumentaram tanto entre os jovens de 15-19 anos como entre os de 20-24 anos entre 2012 e 2020** . Este aumento foi mais acentuado nas estatísticas relativas aos rapazes de 15-19 anos. Por outro lado, as mortes induzidas por drogas das raparigas mais velhas parecem estar a seguir uma tendência ligeiramente decrescente.
(**As estatísticas incluem os países da UE, a Noruega e a Turquia. Nos casos em que não estavam disponíveis dados de 2020, foram utilizados os dados de 2019 ou os últimos dados disponíveis. A fiabilidade e a comparabilidade das estatísticas são prejudicadas por diferenças metodológicas e pela subnotificação em alguns países.)
As causas profundas do declínio da saúde mental dos jovens não são totalmente conhecidas ou compreendidas.
Dito isto, a lista de causas suspeitas é longa, incluindo factores como a tecnologia e redes sociais, o declínio da economia e do emprego, a erosão dos valores sociais e o aumento da competitividade, o aumento da incerteza geral e outros problemas globais.
O facto é que o declínio da saúde mental dos jovens é um daqueles fenómenos complexos para os quais não existem soluções simples.
“A depressão não é apenas uma doença, mas sim um sintoma que pode fazer parte de uma variedade de doenças diferentes”, afirma Kosola.
Kosola sublinha que os valores sociais e a economia também mudaram muitas vezes no passado, mas nunca antes essas mudanças se reflectiram tão fortemente na saúde mental dos jovens. É por isso que o seu olhar crítico se centra nas redes sociais, que vê como uma única mudança clara que a sociedade poderia facilmente resolver.
“O único desenvolvimento novo que ocorreu em todos os países desenvolvidos ao mesmo tempo foi o aumento da utilização das redes sociais móveis. Ao mesmo tempo, as redes sociais foram desenvolvidas para se tornarem cada vez mais viciantes. Numerosos estudos mostram que quanto mais os jovens utilizam as redes sociais, pior se sentem. Os mecanismos psicológicos subjacentes a este facto também foram amplamente estudados”, explica Kosola.
Um estudo finlandês*** recente critica igualmente a forma como os diagnósticos de saúde mental são discutidos, como se explicassem os sintomas e os problemas das pessoas. Os autores do estudo, Jussi Valtonen e Jani Kajanoja, sublinham que um diagnóstico psiquiátrico, por si só, não explica as causas de uma doença; é simplesmente uma designação médica dada a um conjunto específico de sintomas.
Segundo eles, apresentar um diagnóstico de depressão como causa dos sintomas de depressão é um raciocínio circular prejudicial que reforça ideias erradas sobre a natureza dos diagnósticos psiquiátricos. Esta atitude pode também enfraquecer a fé das pessoas na sua capacidade de influenciar os seus próprios sintomas e de recuperar deles e, na pior das hipóteses, pode mesmo dificultar a procura de soluções sociais.
(*** Jani Kajanoja, Jussi Valtonen; A Descriptive Diagnosis or a Causal Explanation? Accuracy of Depictions of Depression on Authoritative Health Organization Websites. Psychopathology 2024; https://doi.org/10.1159/000538458)
Independentemente da forma como se interpretam os números, os estudos, as causas e as consequências, é evidente que há muito que pode ser feito para combater os problemas de saúde mental dos jovens fora dos serviços de saúde propriamente ditos, no contexto das instituições de ensino, das casas, dos tempos livres - e do trabalho com jovens.
As perturbações mentais ligeiras ou moderadas não requerem muitas vezes medicação ou terapia a longo prazo, mas sim visões mais esperançosas do futuro, melhor conhecimento de si próprio, maior resiliência e competências quotidianas em matéria de saúde mental.
“E mais sono!” afirma Kosola e continua: “O número de jovens que dormem regularmente menos de oito horas por noite tem vindo a aumentar de forma constante há mais de dez anos. Na Finlândia, 40% dos alunos do ensino básico e metade dos alunos do ensino secundário dormem menos de oito horas por noite”.
Verificou-se também que as restrições impostas pela COVID-19 tiveram um efeito negativo na atividade física, na alimentação saudável e no tempo de ecrã dos jovens.
O simples facto de interagir com um jovem com empatia e respeito, de apoiar os seus passatempos desportivos e de exercício físico ou de cozinhar com ele pode ser um ato importante para a saúde mental. Em princípio, tudo o que encoraje os jovens a afastarem-se dos ecrãs, a saírem à rua e a participarem em actividades sociais tem um impacto positivo direto na sua saúde mental.
A mesma mensagem está a ser promovida pelo Mental Health in Youth Work, um projeto a longo prazo das Agências Nacionais do Erasmus+ Juventude e do Corpo Europeu de Solidariedade.
Os técnicos de juventude já dispõem de muitas formas de apoiar a saúde mental dos jovens”, afirma Paavo Pyykkönen, coordenador finlandês do projeto Mental Health in Youth Work. “Tudo o que precisam é de mais informação e ferramentas práticas para apoiar a saúde mental dos jovens. O tópico é tal que é mais fácil de abordar quando se ganha alguma confiança nas nossas próprias competências através da formação.”
Lançado em 2021, o projeto continuará durante o atual período do projeto da UE até ao final de 2027. O projeto envolve o desenvolvimento de formação com a ajuda da qual os animadores de juventude podem clarificar o seu próprio papel no apoio à saúde mental dos jovens. Ao mesmo tempo, os participantes adquirem competências práticas que utilizam no seu próprio trabalho.
“O projeto também oferece oportunidades de formação para os jovens e incentiva-os a apoiarem-se mutuamente. No futuro, o material produzido no projeto pode ser aplicado tanto no trabalho quotidiano dos jovens como em projectos internacionais”, promete Pyykkönen.
Links úteis:
Saber mais informações sobre o projeto Mental Health in Youth Work
O relatório da OCDE “Health at a Glance"
O relatório da European Union Drugs Agency’s "European Drug Report 2022: Trends and Developments"